sexta-feira, 9 de outubro de 2009

As sete faces de Salomé

Há algum tempo me perguntaram:
Samya, o que você acha da "Dança dos Sete Véus"? Qual foi a bailarina que melhor a executou na sua opinião?
Dei minha resposta e a pessoa não gostou não . . . outras pessoas não gostaram não, deu um "fuá bão".
Minha opinião foi a seguinte: Como artista, eu achava o conceito de elaboração das bailarinas de Bellydance muito interessante. Para simplificar: o argumento para a elaboração da personagem surgia bastante ligado à mitologia grega (ao mito de Deméter e Perséfone). Ou seja, a passagem e transformação da menina-mulher. Sua descida ao "mundo subterrâneo", desconhecido digamos assim. Simbologias que não me sinto apta a descrever por falta de competência mesmo. Mas que como artista entendo perfeitamente e consigo colocar em coreografia, música e movimento.
Expliquei para a "colega curiosa" que não havia visto uma execução que me chamasse a atenção até ler a peça de Oscar Wilde, lá pros meus 22 anos. E posteriormente, graças à minha querida amiga Neucimar Lima, assistir ao belíssimo filme de Carlos Saura: Salomé.
Então recomendei: para mim a Salomé de Carlos Saura é a melhor dança dos Sete Véus e a melhor interpretação da personagem. (Apesar de achar que, se eu fosse criar a personagem Salomé, ela seria completamente diferente, muito menos romântica do que a de Wilde e Saura. Isso para não mencionar S. João . . . que é uma verdadeira maravilha da recriação!)
A pessoa virou pra mim e disse: Ah, legal o que é isso? É filme? Vou pegar.
Dalí uns dias ela me liga: "Mas Samya Juuuu, esse negócio que você mandou eu assistir é Flamenco, é dança espanhola, nada a ver. Como você pode dizer que isso é a melhor dança de sete véus que você já viu?"
Me desculpei pelo "fora"e disse:" Sinto muito , apenas me emociono muito com aquela montagem, nenhuma concepção desse personagem causou esse impacto em mim. Mas eu nem vi tantos assim e nem sou tão "pegada" assim nisso aí né. Achei que você ia gostar. . ."

Ingenuidade minha . . . talvez pura sinceridade . Não sabia que existia um certo sentimento de competição entre as modalidades, digamos assim. Pra mim era tudo dança, tudo arte. Todos em busca daquela "expressão única", como me ensinou minha sábia amiga Hilara Crestana.
Aí me pego sentindo de vez em quando: humanizando esses meus personagens que danço. Talvez eu os esteja "dando carne e sangue" demais . . .
Como se os deuses de repente nos tornassem tão humanos que não suportássemos nossos sentimentos e tivéssemos que dançá-los como fez Salomé, embaixo de uma lua sangrenta.
Uma menina quase mulher presa entre mundos que não se compreendem e não se toleram: Herodes querendo calar João, João querendo calar Herodes.
Salomé fala - seu corpo não quer calar. Não é à toa que ela dança, e sua dança é descrita por sete véus, expressão pura. Me dá impressão de que ela dançou com todo seu espírito.
Pouco me importa que ela tenha dançado dança do ventre, ballet, flamenco, que me importa? Alías, me parece um questionamento tão vulgar.
Prefiro imaginar meu personagem deixando a mensagem ao mundo: não calem!
E é quando a fúria de um coração triste perfura a garganta de um homem, calando a todos.
Vocês bailarinas, dançariam em troca disso? Tenho certeza que não.
Não calem seu corpo, escutem a arte livre. Pouco importa.
Dancem com todas as suas vozes, removam os véus. Dancem como Salomé.

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